quarta-feira, 29 de julho de 2009

Breve Vida


Vivi minha vida numa bela confusão. Houve dias em quem me enrolava sobre a coberta, fechava os olhos, ringia os dentes e me mandava embora. Não que eu não gostasse de mim, mas às vezes eu me confundia, me irritava e até mesmo me conduzia a fazer coisas que eu não queria.

terça-feira, 28 de julho de 2009

Script


Era uma madrugada fria e Vick dormia feito um anjo. O dia amanheceu, seus sentidos começaram a voltar, a imagem cerebral clareava lentamente e timidamente seu olhos verdes se abriam. Vick era uma menina correta, nunca havia errado, transgredido ou sequer cometido alguma loucura. Ela vivia fielmente o script, tinha a vida ideal.
Levantou-se da cama quente, enquanto seu corpo esfriava. Vestiu-se e foi se arrastando até o banheiro. Lavou seu rosto delicado de menina pouco maior de idade e seguiu para a cozinha onde tomaria um café.
Encostada no balcão da cozinha, onde havia um vaso com flores brancas, as quais ela chamava amorosamente de ‘flores do paraíso’, Vick ameaçava dar o primeiro gole no café com leite.
A campainha toca, a xícara se quebra.
- Vim terminar a conversa.
- Não há mais o que falar, já chega dessa ameaça. O que meus pais vão pensar? Eu não sou assim, você não pode me obrigar.

Vick tinha um segredo tão secreto, que até ela mesmo, por vezes, se esquecia. Ela amava. E o amor comum, dentro de um plano social, não tem nada de errado. Mas esse, estava fora do script e o mundo não permitia.
Apesar dessa magoa, a menina gostava do mundo, gostava de seus pais, de seus livros, mas o seu coração pulsava fraco e tímido, inibido por esse vício de seguir a risca.

Ela não era feliz porque o script era contra ela.

Vick despiu-se e na solidão daquele apartamentinho, em frente a padaria, e voltou a dormir. Seus sentidos se iam, seu amor morria, sua imagem cerebral escurecia e seus verdes olhos se recolhiam feito a lua quando foge do sol.
A vida foi ficando cada vez mais doída e as flores do paraíso se encolhiam. Enquanto isso, o mundo a chamava de menina dos olhos de Deus por seguir o plano divino. Cada dia que se findava Vick se escondia mais. E o sofrimento, meus caros, é o que chamamos de medo. O medo da sentença.
Hoje não tenho mais noticias de Vick. Alguns dizem que morreu de amor e que seu namorado jogou no lixo as lindas flores do paraíso. Outros dizem que Vick fugiu com seu amor secreto, e que as flores brancas do paraíso foram pintadas de amarelo, para que ninguém imaginasse que fossem as flores da cozinha.
E o script? Continua livre, enquanto milhões de pessoas perdem suas vidas com medo do julgamento. Até quando? Me responde você.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Cara senhora governadora Yeda:

Aprendi na escola, com minhas professoras, que deveria me dirigir a senhora como “Vossa Excelência” ou algo assim. Mas hoje ao despertar muito cedo para fazer uma corrida até Santa Maria, me deparei com isto na capa do jornal:



Há dois anos, no mesmo jornal, li que a senhora teria ganhado as eleições após o segundo turno. Não votei na senhora. Aliás, não votei em ninguém. Devo dizer que a senhora me parecia muitíssima mais, digamos, preparada, que todos os outros seus antecessores. Era grande a minha esperança, senhora governadora.
Hoje, eu ando pelas escolas, e vejo as caras sofridas das pessoas as quais me ensinaram tudo o que sei, posso dizer a senhora com segurança: elas estão cansadas, senhora governadora. E era na senhora que elas confiavam, acima de tudo, para que desse um jeito nesse grande cansaço que já vem de anos.
Nos últimos tempos esse cansaço aumentou, com o seu desleixo quando se trata de educação. A senhora ganha muito bem, senhora governadora, e tudo isso devido ao teu alto grau de conhecimento e capacidade, os quais aprendeu com suas professoras. E a maioria delas morre de fome.
O que quero pedir, quando penso na senhora não tem nada de extraordinário. Eu como filha de professora lhe peço comida, senhora governadora. E as educadoras só querem saúde e um mínimo de segurança para andarem nas ruas sem o risco de serem atingidas por uma cacetada dos seus seguranças. Querem um mínimo de honestidade, e esperam que a senhora reforce a auto-estima delas apenas tendo satisfeitas as necessidades humanas básicas.
Estou tão cansada de mentiras, promessas, aparências, fraudes, ilusões. Eu queria gostar da senhora, senhora governadora, queria tanto confiar na senhora. Os gaúchos entregaram os seus destinos nas suas mãos, com boa fé e boa vontade, para depois de dois anos, verem o resultado de que a educação realmente é tudo, mas veja bem: está sendo tão pouco investido nela, que até a senhora, que é governadora, está mal-educada.
É por tudo isso e muito mais que, daqui de muito longe, no interior do estado, tenho a ousadia de concluir pedindo: pense bem, senhora governadora, no que vai fazer daqui pra frente. Pode ser bom, se houver um pedido de desculpas, pode ser nobre e grandioso. Tenho sido tão paciente, mas tudo depende da senhora. Seja justa, honesta, e bem mais educada, depois disso tu serás “Vossa Excelência”. Boa sorte.

17/07/2009

Baseado no texto de Caio Fernando Abreu, “Caro senhor presidente eleito Fernando Henrique Cardoso"

quarta-feira, 1 de julho de 2009

À Risca, baby


E então eu pensei que a vida é uma linha qualquer traçada sobre o ideal e que o risco de ser jogada pra fora dela é quase que inevitável.

Você caminha à risca, baby, quando de repente lhe jogam uma pedra. Você tropeça, mas não cai. Você migra entre os dois pólos opostos quando acontece a desgraça.

Cá entre nós, essa é uma jogada arriscada, que requer uma habilidade paranormal de controle-imediato-de-raciocínio. Entretanto, eu não posso seguir à risca.

Digo: não se trata de não poder, o que ocorre é que a vida ideal até trás uma felicidadezinha e não é isso que eu procuro. Como já diria o velho autor, ser feliz não é tão importante, o que vale mais é ter uma vida interessante.